Por: Louremar Fernandes
Não é fácil para uma senhora, aos 95 anos, encarar os seus filhos diante da realidade cruel que foi imposta a ela.
São muitos os seus filhos e quase todos eles são diretamente responsáveis pela situação de penúria em que essa senhora vive. Respondem pela falta de cuidado e de interesse pelo bem-estar da nonagenária senhora. Há filhos que pecaram por ação, outros por omissão.
Noventa e cinco anos representa um significativo tempo de vida, o suficiente para que qualquer vivente tenha chegado a um estágio evolutivo que lhe permita ser respeitado e que possa gozar do cuidado carinhoso dos filhos numa realidade de conforto proporcionada por boas acomodações.
Quando nada disso se faz presente, não há segurança de que exista vida amanhã. Não há como gozar de boa saúde. É o caso dessa senhora chamada Bacabal que, ao completar 95 anos de emancipação política, não consegue encarar os seus filhos simplesmente por não encontrar nos olhos deles a resposta para a sua principal pergunta: “até quando meus filhos vão me açoitar dessa maneira?”
Os açoites são diários e são verificados de diversas formas e é preciso que repitamos: por ação ou por omissão.
Nos seus anos de juventude, Bacabal foi uma jovem aguerrida que lutou bravamente e prosperou. Tudo lhe favorecia naqueles tempos: a localização estratégica, uma estrada (a BR 316) passando na porta de casa. Um rio caudaloso e bom para navegação: o Mearim. Tudo concorria para o sucesso.
Seus filhos tinham orgulho e com ela cresceram. Uma boa parte deles, já preparados para a vida, partiram para onde houvesse ainda mais progresso. Muitos não mais voltaram. Esqueceram da senhora que, com o passar dos anos, foi perdendo a força e sendo de certa forma saqueada por alguns filhos que com ela ficaram, além de ser vítima da ganância desleal de alguns forasteiros que chegavam como chega o homem de furtos: sorrateiro, dissimulado, para surrupiar as riquezas.
E Bacabal decaiu. Seu ânimo foi minado. Como ter ânimo se seus filhos queridos são os seus maiores algozes? Como ter disposição de viver se parte desses filhos simplesmente ignora seus pedidos de socorro? O princípio vital que a mantém viva, parece se extinguir quando vemos os peixes do Rio Mearim minguarem. O Mearim é apenas mais um retrato do abandono da velha senhora. Há outros. A Cultura, a Saúde, a Educação, a História e a Política, são outros retratos amarelados.
Aos 95 anos, Bacabal observa do seu leito, os anos de malvadeza contra si. É uma existência marcada por riqueza e por pobreza em níveis dos mais elevados. Muitos filhos pecaram quando foram postos a governar o patrimônio de Bacabal. Pecaram ao jogarem seus irmãos na pobreza, na marginalidade, e até na vala da morte provocada pela fome.
Bacabal sempre tão comportada, sempre tão íntegra, não conseguiu fazer com que boa parte dos seus filhos preservasse esses mesmos valores. A integridade e o interesse pela mãe, faltaram aos filhos que receberam a missão de governar os irmãos.
Ao longo dos anos Bacabal viu resignada muitos filhos se envolverem em escândalos, principalmente aqueles fundamentados na improbidade administrativa. Outros permitem o saque dos cofres por indivíduos que chegaram atraídos pela riqueza que ainda há mas cuja intenção não é zelar pela saúde da velha senhora. Bacabal reclama para quem a visita: “Antes se preocupavam em esconder, hoje ostentam os desmandos”. E cabisbaixa a velha senhora após um profundo suspiro lamenta: “Vejo filhos maltratando os irmãos e a própria mãe. Hoje não sou bonita, a idade traz isso como consequência. Mas poderia estar bem cuidada e não estou”.
Bacabal não tem paz. Até mesmo quando lhe aparecem com algum remédio, parece ser alguém que não inspira confiança. Na omissão dos filhos, até para se apresentarem como cuidadores da velha senhora, aparecem uns e outros de procedência duvidosa, de quem não se conhecem os parentes e nem os aderentes. Bacabal, ainda lúcida lamenta: “Meus filhos delegam para tantos outros uma missão que é deles. Como um estranho poderá me amar e cuidar bem de mim melhor do que meus filhos? Porque muitos dão as costas para mim? É uma pergunta sem resposta”. É uma triste realidade.
Este cronista não consegue prever o futuro. E a impossibilidade de fazer isto não é evidência de falha do Criador no processo de criação dos seres humanos, talvez seja uma benção.
Dessa forma permanecemos, cada um à sua maneira, alimentando esperanças, lutando para conscientizar os filhos de Bacabal de que devem e podem fazer algo. É a crença de que o futuro será melhor.
Talvez seja se todos forem tocados como o cronista, por uma súplica ouvida da própria Bacabal, clamada num fio de voz : “Meu Deus, não permita que me matem ainda tão nova”.